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Ricardo Eletro

Aí de carroça andei cumpade...

Convidar alguém mais abastado para batizar um filho foi, e aqui e acolá ainda é, praticamente uma tradição dos que se achavam inferiores financeiramente e “letradamente”. Geralmente os que eram considerados ricos ou com um grau de instrução superior eram os mais requisitados para ser “cumpade”.
Ter uma figura da ‘sociedade’ como compadre ou comadre (padrinho ou madrinha de um filho ou de uma filha), era algo linsonjeoso, motivo de orgulho e, como se diz atualmente entre os jovens, uma verdadeira ostentação. Observando através de um olhar crítico, o que aconteceia nada mais era do que uma maneira de se provocar uma aproximação com uma realidade diferente, com um seleto grupo que gozava de benéficies antes nunca propiciada aos menos favorecidos e aos desprovidos de patrimônios materiais, culturais e educacionais.
Um ‘cumpade’ ou uma ‘cumade’ doutor, doutora, professor, professora, comerciante (não se utilizava a expressão empresário) ou político, era certeza de um presentinho no aniversário ou em final de ano e de construção de vínculo afetivo com os que viviam num mundo distante e diferente na concepção de muitos. Para muitos a relação ia mais longe, os compadres e comadres eram o segundo pai e a segunda mãe; caso os pais biológicos viessem a falecer o ‘padins’ eram os responsáveis pela manutenção e educação do afilhado. Entretanto, permeava o sentimento de amizade e respeito mútuo. A quem diga que compadre deriva do padre (pai) e comadre de madre (mãe).
Fatos históricos como este servem para desconstruir e exemplificar, de certa forma, na prática, como eram as relações entre as pessoas que viviam numa mesma socieade mais que precisavam de pretextos para poder se relacionar.
Nos dias atuais, com a inclusão e ascensão social das classes mais baixas que aumentaram suas rendas e passaram a ter melhores padrões de consumo, por conta de políticas públicas de redistribuição de renda, o aumento das oportunidades de trabalho e emprego, do acesso facilitado à educação profissional e universitária, entre outros avanços conquistados nos últimos anos, a relação entre os ‘padins’ e os ‘cumpades’ continua a mesma, prevalecendo o respeito e a amizade, mas com a diferença de que o nível econômico e social não é mais requisito para as escolhas, até porque todo o brasileiro e brasileira disputam todos os espaços de igual para igual, independente de ser engenheiro, pedreiro, padeiro, encanador ou doutor.
E isso ainda incomoda a muitos. No final de novembro de 2012, a colunista da Folha de São Paulo Danuza Leão dizia que ir a Paris ou Nova York havia perdido a graça porque já não era algo exclusivo – uma vez que até o porteiro do prédio pode realizar esses desejos. “Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”
O descabido, estupido e infeliz depoimento é um retrato da elite brasileira, que busca o prazer aristocrático e não se conforma com a ascensão social dos seus semelhantes. O texto reflete a visão de mundo da própria Danuza, que, em determinado momento de sua existência, conseguiu se descolar do restante da sociedade.
“...A cabo de poucos meses
A riqueza se acabou
Nascendo o dito menino
Riqueza nenhuma achou

Nasceu o dito menino
Ficou com muita alegria
Procurando padrinho rico
Com arte de sabedoria

Procurando um homem rico
Para ser padrinho do filho
Só não procurava os pobres
Porque eles não serviam...”
PELEJA DA ALMA
(do cantador paraibano Silvino Pirauá)

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