No final da Segunda
Guerra Mundial, o mar na costa da Alemanha foi transformado num grande
lixão para o descarte de munições remanescentes deste período, como
granadas, bombas e torpedos.
Estima-se que aproximadamente 1,6
milhão de toneladas de armamentos estariam nas profundezas das águas
alemãs. Mais de 70 anos depois, essa herança, aparentemente inofensiva,
começa a cobrar sua conta.
"A urgência de acabar com essa munição
era tão grande no pós-guerra e possivelmente aqueles que tomaram a
decisão não pensaram a longo prazo. Afundar o que restou no mar parecia
ser o melhor caminho na época. Hoje, está claro que não é só a ameaça de
explosão que é perigosa para as pessoas, mas também o lento vazamento
do (explosivo) TNT, que se acumula na fauna e flora marinha", afirmou
Sunhild Kleingärtner, diretora do Museu Alemão da Navegação.
Promovido pelos países Aliados, que venceram a guerra
(Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética), o descarte no
mar do arsenal restante das tropas alemãs ocorreu até a década de 1970.
Ao armamento propositalmente depositado nesta região somam-se ainda
munições que estavam em navios que foram afundados durante batalhas.
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A grande maioria do material depositado no mar é
armamento convencional, ou seja, munições explosivas e incendiárias,
preenchidas com TNT ou fósforo branco. Uma pequena parte é de armas
químicas, como gás mostarda, tabun ou fosgênio. Para analisar os
impactos deste legado da guerra, diversos estudos estão sendo realizados
na Alemanha nos mares Báltico e do Norte.
As
pesquisas no Báltico sobre os impactos desta herança foram as pioneiras
e, em estágio mais avançado, já revelaram a contaminação da fauna e da
flora marinhas. Estima-se que 300 mil toneladas de armas químicas e
convencionais ainda estão nas águas apenas naquela região.
Pesquisadores
identificaram dois grandes riscos causados pela presença deste
material. O primeiro é de explosão, que pode ocorrer durante a passagem
de navios, na construção de parques eólicos ou de tubulações submarinas,
assim como na pesca comercial com grandes redes. Essa ameaça foi ainda
potencializada devido ao tempo.
"Há indícios que mostram que, na água do mar, as
substâncias explosivas antigas sofrem uma transformação que as deixam
mais sensíveis para a detonação", contou Aaron Beck, do Geomar Centro
Helmholtz para Pesquisa Oceânica em Kiel, uma das instituições que
pesquisam os impactos das bombas descartadas no Báltico.
O segundo
risco é o ambiental e, com ele, mais consequências para os humanos. De
acordo com Thomas Lang, do Instituto Thünen, que desde 2011 participa de
diversas pesquisas internacionais sobre o tema no Báltico, substâncias
tóxicas de armas químicas e munições explosivas estão sendo liberadas no
mar devido à corrosão das cápsulas destes armamentos.
"Isso representa um perigo para animais e pessoas", destacou.
Riscos para o meio ambiente e saúde
Um
estudo coordenado pelo Geomar analisou os impactos ambientais destas
munições. Pesquisadores do projeto descobriram que a concentração de
substâncias químicas explosivas é maior em locais onde ocorreram os
depósitos destes armamentos, porém, foram encontraram resquícios destes
elementos, em quantidades menores, na água, em sedimentos, algas e
invertebrados de toda a região.
Já o projeto Decision Aid for
Marine Munitions (Daimon), do qual o Instituto Thünen participou,
identificou a presença de subprodutos do TNT, substância cancerígena, em
mexilhões, que são alimentos de várias espécies de peixes, encontrados
nos locais onde estão depositadas as munições.
Pesquisadores identificaram ainda a presença destas substâncias em peixes da espécie Limanda limanda
e descobriram que muitos deles tinham tumores hepáticos. Os cientistas
não descartam a relação entre o TNT e os altos índices de câncer em
peixes desta espécie que vivem nessas regiões.
Segundo Lang, mais
estudos são necessários para saber as consequências que o consumo de
peixes e frutos do mar contaminados pode ter para a saúde humana.
Depois do Báltico, o Mar do Norte
Enquanto
as pesquisas no Báltico estão mais avançadas, um projeto semelhante
sobre o Mar do Norte teve início em 2018 - o Museu Alemão da Navegação
participa do estudo.
Durante quatro anos, pesquisadores de
diversas disciplinas, partindo de informações de arquivos, vão analisar
as carcaças de navios afundados na região para saber o estado das
munições remanescentes e quanto tempo elas podem permanecer onde estão,
além estudar os impactos ambientais.
Os estudos no Báltico, no
entanto, mostraram que essas munições são uma bomba relógio que
lentamente contamina a região e pode explodir a qualquer momento.
Algumas
das bombas já são removidas quando representam riscos para a navegação
ou construções submarinas. Cada caso é analisado à parte.
"Questões
ambientais, porém, ainda não são motivos para a remoção deste
armamento", disse Lang, defendendo que esse aspecto também deveria ser
levado em consideração. O pesquisador acrescentou que, por ser difícil e
dispendioso, esse trabalho requer muitos recursos financeiros e
técnicos.
Para Beck, a solução ideal seria remover e destruir
todas as munições que estão no mar, resolvendo os problemas de
contaminação e segurança. "Os grandes desafios para essa limpeza são a
vontade política e o financiamento", afirma, destacando que isso
custaria muitos bilhões de euros.
"Há também uma questão política
sensível: quem deveria ser responsável pela remoção de munições que
pertenceram a uma nação, mas foram despejadas por outra nação em águas
de uma terceira nação?", questiona o pesquisador.
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