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Ricardo Eletro

Até que a morte nos separe

Em uma das intermináveis filas que se formam do lado de fora e de dentro de agências bancárias da cidade de Jacobina, duas pessoas conversam sobre diversos assuntos do cotidiano, pelo longo período de espera, sem saber, dão uma verdadeira aula de conhecimentos gerais. O beijo gay de determinada novela, as insípidas e relambórias reportagens dos telejornais, a estiagem, a administração pública, entre outros assuntos são comentados e discutidos.
A fileira cresce e nada de chegar o momento do atendimento. Quanto mais tempo, mais aumento de aporrinhação e de assuntos. De repente, uma outra pessoa, visivelmente entediada, também puxa conversa (uma forma encontrada para o tempo passar mais rápido): “Gente, vendo vocês conversando sobre notícias... viram a notícia da queda daquele avião nas montanhas, na França? Que tragédia. Soube que morreram 150 pessoas”. Outro vizinho de fila completa: “É fim de mundo. Só se ver notícia de acidentes de avião e carros com mortes. Só Deus na causa”. Uma moça, que até então displicente, com olhos voltados apenas para a tela de um celular, entra na prosa: “Lá na Europa morreram os passageiros do avião e aqui no Brasil, no Estado de Santa Catarina, morreram 51 pessoas em um acidente de ônibus”.
Depois deste último comentário, como se tivesse sido ensaiado, muitos perguntaram: “quando aconteceu este acidente no Brasil?”.
A informação que se passava naquele momento era sobre o acidente com o Airbus A320 da Germanwings que ia de Barcelona (Espanha) a Düsseldorf (Alemanha), ocorrido no dia 24 de março deste ano, quando morreram as 150 pessoas que estavam à bordo. Conforme a equipe que investiga o caso, o copiloto alemão Andreas Lubitz, de 27 anos de idade, lançou a aeronave de propósito contra a montanha. As vítimas são originárias de 18 países, mas a maioria é de nacionalidade espanhola e alemã.
A divulgação da queda desta aeronave repercutiu todo o mundo, sendo notícia em todos os meios de comunicação por vários dias, pela manhã, à tarde e à noite. Diversas são as ‘versões’ passadas para “justificar” a fatalidade. Que o copiloto sofria de depressão, que o mesmo já anunciava que queria ser conhecido mundialmente, entre outras. Toda a vida do pseudo suicida foi, e ainda está, sendo publicizada na imprensa brasileira como principal notícia de alguns telejornais.
A outra tragédia que se tratava naquele momento foi a do acidente com um ônibus que caiu em uma ribanceira no município de Joinville, em Santa Catarina, no dia 10 março, onde morreram 51 pessoas. O veículo que transportava 59 passageiros havia saído de União da Vitória, no Paraná, para um encontro religioso em Guaratuba, no mesmo estado. O motorista teria escolhido fazer o caminho por Santa Catarina para encurtar a viagem. Segundo informações, a 100 quilômetros do destino, ele perdeu o controle em uma curva e o ônibus caiu em uma ribanceira. A velocidade era tanta, que o ônibus ganhou impulso para cima e depois caiu como um dardo de uma altura de cerca de 50 metros, até cravar a dianteira em um barranco.
Das 51 vítimas identificadas pelo IML 15 eram homens, 20 mulheres, cinco adolescentes e 11 crianças. O motorista e proprietário do ônibus, Sérgio Antônio da Costa, morreu junto com o filho, de 12 anos.
Duas grandes e injustificáveis tragédias, mas o que chama a atenção é que, ao contrário da que aconteceu na Europa, a do Brasil não recebeu tanta atenção da mídia. Não como o que se propaga até hoje sobre o copiloto; informações sobre o motorista do ônibus praticamente não existem. Será que ele passava por problemas de saúde? Como estão as famílias das vítimas e a do motorista? As condições do tempo e da estrada eram favoráveis para a trafegabilidade no momento do acidente? O que realmente aconteceu e o que diferem os acidentes para a mídia?
 
Por Gervásio Lima
Jornalista e historiador

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